sexta-feira, 30 de abril de 2010

Tic-tac

Porque me fazes isto? Eu sei que não consigo lutar contra ti, e por isso devia ser tua aliada. Mas é difícil esquecer-te, pois estás sempre presente, nunca te vais embora, seja quando estou ocupada ou sem nada para fazer. Porque no silêncio, és efémero, e na exaustão também o és.
Podes passar, embora a memória permaneça inerte. Posso perdoar e esquecer, e voltas a abrir-me uma fenda. Podes ir embora e não dizer nada, porque antes nem palavras foram precisas. Quando elas começaram a ser necessária, tudo se evaporou e foi com o vento - "palavras, leva-as o vento".
És a agulha no palheiro, a última gota de água do oceano, o último respirar, o lince ibérico em extinção, a faca de dois gumes, o diamante por lapidar, o sorriso triste, o espelho da alma, o poço dos desejos, a cara ou a coroa da minha última moeda de cem escudos, a minha arca de madeira trabalhada, a minha biblioteca pessoal, as minhas fotografias mais antigas, a minha amnésia momentânea...
És tudo e às vezes nada, algo inventado pelo homem, que já antes existia. Sim, não é só a pescada que antes de o ser, já o era. O tempo sempre cá esteve, mesmo que não o saiba.

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